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“O modelo de negócio atual da mídia está morrendo”, alerta especialista em debate sobre sustentabilidade

Crise financeira da mídia foi tema de painel no Congresso de Jornalistas de Portugal, discutindo soluções como apoio de fundações e financiamento público

Rotativa de jornal impresso, formato que vem perdendo espaço para o digital diante de novos modelos de negócio para o setorFoto: Bank Phrom / Unsplash

Lisboa – “É preciso criatividade, pois o modelo de negócio atual da mídia está ‘vencido’”, alerta Sameer Padania, consultor baseado no Reino Unido que se especializou em desenvolver estratégias para a defesa e o apoio do jornalismo.

Padania foi um dos participantes do Congresso de Jornalistas de Portugal, realizado na semana passada, que teve um painel dedicado a debater caminhos para a sustentabilidade financeira dos veículos de imprensa, um problema global. 

Entre as ideias apresentadas estão iniciativas em curso na Alemanha, Portugal e também no Brasil, incluindo captação junto a fundos de apoio à mídia, dotações governamentais e programas de membros.

Nova visão de modelo de negócio para a mídia em crise

Sameer Padania dirige a consultoria Macroscope, que atua com a mídia independente, sociedade, empresas, fundações e governos para encontrar soluções que possam amenizar a crise vivida pelo setor.

Ele falou em Portugal sobre o ambiente adverso que o jornalismo se encontra, com veículos e profissionais sujeitos a ameaças políticas, riscos provenientes de deficiências em segurança e assédio online.

Sameer Padania, consultor especializado em modelos de negócio de jornalismo
Sameer Padania, consultor especializado em modelos de negócio de mídia (Foto: Twitter @sdp)

“Não há dinheiro no formato anterior e o ecossistema atual está morrendo”, afirma, defendendo o envolvimento das comunidades e a criação de modelos inovadores de negócio.

Em relação ao debate sobre financiamento público para o jornalismo, ideia adotada por diversos países, Padania salientou a importância de consenso político, e observou que não se pode esquecer outros tipos de financiadores, como fundações, administrações municipais e locais e empresas.

Este é o caminho seguido pela Agência Pública, do Brasil. Natalia Viana, uma das fundadoras, disse no congresso que a agência conta com apoio de fundações.

Ela também falou sobre a experiência de captar recursos para projetos de investigação jornalística aproveitando as  leis brasileiras de apoio a produções impressas, digitais ou de audiovisual.

Outro caminho passa pelos leitores. A Agência Pública tem o programa Aliados, com dois mil inscritos, respondendo por 10% da receita.

“É preciso convencer as pessoas de que é muito importante financiar o jornalismo”, ressalta.

 

Verbas públicas são o caminho para a mídia?

Há modelos diversos de apoio nos países europeus com verbas distribuídas por meio de políticas públicas. O professor português Joaquim Fidalgo, da Universidade do Minho, salientou o volume financeiro direcionado por países da região aos meios de comunicação.

Segundo o acadêmico, são destinados 1,319 bilhão de euros em apoios diretos ou indiretos em 12 países, incluindo ações como alocação de percentuais de impostos gerais ou específicos. A população desses países é estimada em 325 milhões de pessoas.

Uma das experiências apresentadas no encontro foi a da Ilha da Madeira, região autônoma de Portugal, que conta com representantes legislativos e orçamento próprios.

Marta Caires, jornalista da TV SIC, do grupo privado Impresa, contou que há oito anos havia 10% de desemprego, demissões coletivas em um jornal e financiamento público integral em outro. 

O então novo governo local mudou as regras do jogo para apoiar o jornalismo de forma transparente, implantando a  lei de crédito legislativo regional. O regulamento define valores e formatos de aplicação de verbas públicas na imprensa da Ilha.

Como funciona o programa

Há uma dotação de 600 mil euros, distribuída entre três jornais  – o digital Funchal Notícias, o Diário de Notícias de Madeira e o Jornal de Notícias de Madeira.

Além disso, mais 350 mil euros de publicidade institucional vão para 14 rádios e uma emissora de TV.

Os veículos precisam ter edições impressas diárias ou semanais com tiragem de 5 mil exemplares e empregar oito jornalistas para se beneficiarem do esquema. Se forem meios apenas digitais, a equipe deve ter quatro profissionais, pelo menos dois com dedicação integral.

A comissão de acompanhamento faz auditorias anuais e conta com representantes das empresas jornalísticas, do Sindicato de Jornalistas, da Assembleia e do Governo Regional.

Segundo Caires, “não é para o homem do jornal comprar uma Ferrari. É para apoio à produção e aos jornalistas”.

A jornalista faz, entretanto, algumas ponderações sobre a aplicação das verbas públicas:

“Temos que ter em mente que isso é dinheiro dos contribuintes. Será que eles querem destinar os recursos para o jornalismo?

A liberdade de imprensa será afetada? Se ficar tudo na mão do mercado, temos mais garantia de liberdade, de isenção? Será que o governo não vai controlar os veículos? Penso que não.

Como jornalistas, estamos com os olhos nos políticos. É preciso fiscalizar de perto as empresas que recebem as verbas. Mas o que me preocupa é a qualidade do trabalho. É isso que precisamos estar atentos. Sem qualidade, não avançamos”.


Colaboração de Lena Miessva, de Lisboa

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